algumas notas e considerações por um estudante de Ciências Farmacêuticas
Permitam-me a liberdade de vir por este meio sugerir-vos a leitura de um White Paper emitido pelo Governo britânico em 2008, intitulado Pharmacy in England; Building on strenghts - delivering the future, a propósito do "aproveitamento" e da optimização das capacidades e potencialidades clínicas e do expertise técnico e científico dos farmacêuticos no âmbito da prestação de mais e melhores cuidados de saúde às populações. É interessante notar a diferença abismal com que o Governo britânico encara e trata os farmacêuticos, ou seja, como intervenientes fundamentais no sistema de saúde, comparativamente à forma como o anterior e actual Governo português (liderado por José Sócrates) tratou a classe farmacêutica portuguesa assim que iniciou funções. Não fosse a excelente organização sectorial da farmácia comunitária portuguesa, através da sua estrutura associativa, a Associação Nacional das Farmácias, que se impôs e negociou um acordo com o Governo (v. "Compromisso com a Saúde"), e este Governo, através do seu então Ministro da Saúde, Correia de Campos, teria reduzido as farmácias comunitárias a meros espaços comerciais de venda de medicamentos, desvinculando-as completamente do seu papel enquanto espaços de saúde e de prestação de serviços e cuidados de saúde à população - como sempre têm sido – e desvirtuando o carácter de profissional de saúde do farmacêutico comunitário. No entanto, infelizmente, a relação deste Governo com os farmacêuticos parece continuar congelada, se é que existe alguma relação (!) – a negociação e concretização das carreiras farmacêuticas no SNS, autónomas e definitivamente separadas da actual Carreira dos Técnicos Superiores de Saúde (que inclui uma amálgama de profissionais com diferentes formações académicas universitárias, inclusivamente biólogos, licenciados em Bioquímica, entre outras), parecem estar na gaveta da Sra. Ministra da Saúde (aparentemente apenas preocupada com as carreiras médicas), e a farmácia hospitalar e a figura do farmacêutico hospitalar, essencial ao funcionamento de qualquer unidade hospitalar, parece ter sido definitivamente remetida para a cave, ao invés de ser modernizada no sentido do desenvolvimento e da aplicação da farmácia clínica no contexto hospitalar – o que, como vários estudos têm demonstrado, tem contribuído noutros países, como os EUA, para a detecção de erros de prescrição, para a optimização da terapêutica bem como para a redução da morbilidade e mortalidade associada à má utilização de medicamentos. Estamos, portanto, perante uma realidade infeliz. Chamo também a atenção para o facto da actual classificação dos medicamentos em MSRM e MNSRM ser, a meu ver, demasiado “medicocêntrica” (passo a expressão), dando a noção de que um MNSRM é um bem de consumo que, à semelhança de qualquer produto alimentar, não precisa de um intermediário qualificado - o farmacêutico - para ser adquirido. Ora, esta questão é, a meu ver, crucial para a prática farmacêutica e para a dignificação da profissão farmacêutica portuguesa, sendo urgente que seja feita pressão sobre o Governo para a criação de uma terceira lista de medicamentos, à semelhança do que sucede, p.e., no Reino Unido, sendo estes de venda exclusiva em farmácias comunitárias sob indicação expressa do farmacêutico comunitário (aqui incluo anti-inflamatórios não esteróides, antitússicos, expectorantes, laxantes, inibidores da bomba de protões, antiácidos, antibacterianos, antifúngicos, antihistamínicos, inibidores enzimáticos – p.e., orlistato - triptanos, vasoconstritores nasais, entre outros, independentemente da dosagem). Aproveito também para referir um assunto que, na minha perspectiva, merece a maior atenção e que se prende com o número de cursos de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas e com o número de vagas para os mesmos (actualmente, cerca de 900, não contando com as vagas abertas para os concursos especiais), bem como para a qualidade formativa dos futuros farmacêuticos portugueses – como se sabe, o curso foi reduzido de 6 para 5 anos de forma aparentemente unilateral, contrariando as recomendações do grupo de trabalho nomeado para a adaptação do curso ao Processo de Bolonha, não sendo, na minha perspectiva, essa redução benéfica para o ensino farmacêutico nem para a competitividade do farmacêutico no mercado de trabalho face a determinadas classes profissionais/cursos satélite. Apelo assim aos caros colegas (e futuros colegas), que desempenham cargos de direcção nas estruturas associativas, que intervenham junto das estruturas governamentais competentes e junto da sociedade civil em geral, quer de forma directa, ou através da emissão de comunicados, demonstrando as preocupações e as recomendações dos futuros farmacêuticos sobre o panorama da Saúde em geral, e do sector farmacêutico em particular, com especial enfoque no papel essencial do farmacêutico – da farmácia comunitária à indústria farmacêutica – em qualquer sistema de saúde, papel esse que não pode ser menosprezado pelo poder político, como tem sido pelo Governo de José Sócrates, mas sim aproveitado e optimizado.
Ricardo M. Oliveira - Estudante do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.