(opinião por um estudante)
A opinião de um futuro colega sobre a formação e profissão farmacêuticas:
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Tenho-me deparado, infelizmente, e em diversos meios (incluindo o meio escolar pré-universitário), com uma grande falta de conhecimento (galopante) entre a população estudantil pré-universitária (e não só) sobre o Curso de Ciências Farmacêuticas e sobre a Profissão Farmacêutica. Noto com preocupação que há por parte de quem está "por fora" uma frequente associação - de quase exclusividade - entre a profissão de Farmacêutico e a Farmácia Comunitária, não no sentido natural do Farmacêutico enquanto o responsável máximo e necessário pela dispensa de medicamentos e sua supervisão, mas sim do Farmacêutico como mero lojista, em pé de igualdade com um mero técnico de farmácia ou ajudante técnico, sem que lhe seja reconhecida a sua formação universitária de 6 anos (5 anos com a adaptação a Bolonha), os seus saberes técnico-científicos e a devida nobreza associada aos seus actos profissionais na Farmácia Comunitária, diminuindo-o junto de outros profissionais de áreas similares.
Igualmente, noto que ao longo do tempo (com particular ênfase nos últimos anos) tem havido uma diminuição progressiva do número de candidatos ao Curso de Ciências Farmacêuticas (algo que pode ser verificado empiricamente no site oficial do Acesso ao Ensino Superior disponibilizado pela Tutela, que contém as mencionadas estatísticas), diminuição que tem sido concomitante com a criação recente de vários novos cursos na área das ciências da saúde e das ciências da vida (como Ciências Biomédicas, Ciências da Saúde, Engenharia Biomédica), que têm "conquistado" potenciais candidatos ao Curso de Ciências Farmacêuticas por total ignorância por parte destes quanto à realidade do Curso e da Profissão Farmacêutica. Existem casos de candidatos a preferirem a Licenciatura em Bioquímica ou a recém-criada Licenciatura em "Ciências Biomédicas" (!!!) face ao Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas por desconhecimento de todo o universo da Profissão Farmacêutica. A própria Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC) abriu um curso bizarro denominado "Ciências Bioanalíticas" e parece estar em vias de abrir outro ainda mais bizarro denominado "Farmácia Biomédica". Não duvido que a palavra "biomédica" seja um foco de grande atracção para muitos, mas não me parece que jogue em favor do Curso de Ciências Farmacêuticas nem da própria FFUC enquanto instituição formadora de Farmacêuticos por definição. Estamos, portanto - acho que se pode concluir - a perder bons candidatos para outros cursos e, concomitantemente, a nota do último colocado nas faculdades de Farmácia tem vindo a descer ano após ano.
Face a esta situação, que considero preocupante, tomo a liberdade de sugerir às várias instituições de ensino farmacêutico, sobretudo às Clássicas, que realizem por sua iniciativa junto da população estudantil pré-universitária dias abertos a "prospective students" em que se cumpram os seguintes pontos (bem como a actualização dos respectivos sítios na Internet das mesmas instituições):
- Realçar o papel do Farmacêutico nas suas diversas áreas de actividade e actuação, com ênfase no seu estatuto de Especialista nas mesmas (Análises Clínicas, Indústria Farmacêutica, Regulamentação Farmacêutica, Farmácia Hospitalar bem como nas Análises Bromatológicas, Hidrológicas e Toxicológicas e na Distribuição Farmacêutica);
- Destacar o papel do Farmacêutico como cientista/investigador nas ciências da vida e da saúde/medicamento, com especial incidência sobre o perfil do Farmacêutico não só como profissional de saúde mas, também, como cientista;
- Promover os investigadores/cientistas Farmacêuticos e a sua produção científica junto da comunidade, conferindo-lhe maior visibilidade junto de todos e não apenas dentro de um grupo restrito de académicos e de outros investigadores/cientistas;
- Discriminar com a maior minúcia possível todas as saídas profissionais possíveis para o Mestre em Ciências Farmacêuticas e todas as oportunidades de carreira que a mesma formação, e correspondente Profissão, confere (i.e., onde houver um Farmacêutico, discriminar todas as possíveis funções/cargos/posições que este pode ocupar nessa área);
- Reafirmar, incansavelmente, o Farmacêutico como o único e legítimo profissional e especialista do medicamento em Portugal.
Não acho que se possa continuar a permitir a disseminação da noção do químico e do bioquímico (ou qualquer outro) como responsáveis pela criação de medicamentos quando é o Farmacêutico o especialista do medicamento. Não acho que se possa tolerar que o Farmacêutico seja relegado para outros planos que não o primeiro plano na comunicação social quando o assunto é debater matérias no âmbito daquele que é o seu principal objecto de estudo: o medicamento. Não acho que se deva aceitar passivamente e sem contestação a usurpação de saberes e funções que desde sempre pertencem aos Farmacêuticos por parte de indivíduos com outras formações (ou mesmo sem qualquer formação!).
De outro modo temo que, a curto prazo, o estatuto conquistado pelo Curso de Ciências Farmacêuticas e pela Profissão Farmacêutica ao longo de décadas e décadas se venha a degradar e esbater cada vez mais no seio deste "boom" de novos cursos e de perda de visibilidade e reconhecimento da componente com maior visibilidade pública e social da Profissão (vide liberalização da propriedade da farmácia e da venda de MNSRM em outros estabelecimentos que não as farmácias).»
RMO
(Estudante do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa)