Não quero passar o tempo a falar de Boticas e mezinhas.
Mas ciclicamente há uns ataques cerrados (deve ser a cabala de que fala o Ferro Rodrigues!) que me obrigam a escrever novamente sobre este tema. A semana passada ouve a
atoarda da Ordem dos Médicos dizendo que os farmacêuticos, malandros, substituíam as suas receitas; depois foi desenterrado um processo de 2002 e falou-se ma megaburla das Farmácias, quando apenas uma, e não propriedade de farmacêutico, estará implicada; e hoje - a cereja no cimo do bolo - uma eminência parda da esquerda bolorenta, o
Profº Vital Moreira, assina um artigo no
Público cujo título é sugestivo: "Mina de ouro"!
São opiniões. Cada um tem as suas, e desde que devidamente fundamentadas, todas são de respeitar. Se ele acha que um espaço de saúde com uma média de 4 funcionários é uma mina de ouro, e que essa mina de ouro lhe merece mais atenção do que os grandes empórios do capitalismo global, então lá terá as suas razões. Esperemos é que não esteja enganado...
O que me merece mais atenção e espanto é a defesa de um liberalismo económico, ainda para mais no sector da saúde, vindo de um
comuna empedernido!
O Professor está muito bem informado, não há duvida, nota-se, nos pormenores, que dedica muita atenção e algum estudo a estas questões. Vou apenas - e de uma forma breve, que se faz tarde, e a mim ninguém me paga - comentar alguns pontos, em que não estou de acordo com o Profº Vital Moreira e em que penso que não foi rigoroso:
1 - O "peculiar regime" de propriedade e instalação de Farmácias em Portugal não é nada peculiar! Não conheço nenhum país na Europa em que seja completamente livre a instalação e a propriedade das Farmácias. Repare-se que são dois conceitos diferentes: instalação e propriedade. Só um liberal empedernido, ou um neoliberal excitado, é capaz de propor modificações de tanta monta a um regime que produziu um sector Farmacêutico dos melhores e mais evoluídos do mundo. É verdade, é reconhecido como tal, internacionalmente.
2 - A restrição da propriedade das Farmácias aos Farmacêuticos assenta num princípio simples que está no espírito da lei de 1965: Não há Farmácias há Farmacêuticos; aquelas são o lugar onde estes exercem a sua profissão. Em Portugal há perto de 3.000 Farmacêuticos Portugueses, donos de perto de 3.000 pequenas empresas que prestam um serviço de superior qualidade e importância às populações.
Enganem-se os que pensam que este princípio a ser alterado iria permitir o acesso ao "negócio" a investidores avulsos; quem espreita atento é o capitalismo - sim capitalismo, Profº Vital Moreira - sob a forma de cadeias de distribuição e "retalho" das multinacionais farmacêuticas, aliás já instaladas, algumas, em Portugal, tais como a Boots ou a Unichem ou a OCP, num processo de forte verticalização.
3 - A restrição da instalação das Farmácias tem como objectivo exactamente o contrário daquilo que à primeira vista se pode concluir: se fosse livre a instalação, o que aconteceria é que eu, (modéstia à parte))) profissional cuja competência técnica é reconhecido pelos doentes, fortemente competitivo portanto, não iria abrir botica em Boticas, antes o faria mesmo em frente ao H.S. João ou, se na Póvoa, junto da consulta de paramiloidose. Em Boticas será difícil encontrar um Médico, ou um Enfermeiro, mas encontra-se de certeza um Farmacêutico, seja neste preciso momento ou no dia de Natal.
Além disso a Farmácia é o único "negócio" em que sistematicamente se recusam vendas. Muitas. Todos os dias. A toda a hora. Saúde pública, tem que ser... Expliquemos isso a um patrão, ou ao senhorio!
4 - Por fim, que tenho que acordar cedo, a ditadura da lei da oferta e da procura, a influência da concorrência das Farmácias no preço dos medicamentos é mais um puro engano. É sabido que o preço dos medicamentos não é estabelecido pelos Farmacêuticos, é-o pelo estado e pela poderosa Indústria Farmacêutica.
Obviamente que nem tudo é perfeito, muito há que fazer se quisermos manter a excelência. Uma delas está precisamente no início do artigo do Professor, abrir concursos para novas Farmácias, muitas, especialmente no interior e em zonas onde a cobertura Farmacêutica é insatisfatória.
E uma explicação, minha, um pressentimento, para tanta atenção às Farmácias - veja-se o último parágrafo do artigo do Profº Vital: "Já deu para ver que só um "choque externo", desencadeado pela União Europeia, é que pode fazer alterar a indefensável situação existente neste país.": a Irlanda um país com uma prática liberal na área da Farmácia comunitária - não tão liberal quanto o Profº, no entanto - poderá propor uma harmonização da legislação respectiva a Farmácias Comunitárias - uma directiva como tanto gostam os Europeístas - durante a sua Presidência na Comunidade Europeia...
What's up, doc?